Recomeçar após os 40: o desafio e a oportunidade de uma nova carreira

“Não tenha medo de começar tudo de novo, talvez goste mais da sua nova história”. Recentemente deparei-me com uma fotografia em que esta frase estava estampada, junto a uma paragem de autocarro. Isto inspirou-me a escrever um post para as minhas redes sociais, no qual desenvolvi o tema da mudança de carreira após os 40 anos. Nesse post referia que recomeçar nem sempre é fácil, mas, por vezes, é necessário e está, quase sempre, associado a uma mudança profissional.

São muitas as questões que podem estar associadas à mudança de carreira nesta fase da vida. Desde a insatisfação com a profissão escolhida no passado até à procura de um propósito e de uma realização maior. Também podemos observar a tentativa de um melhor alinhamento com os valores e desejos pessoais. Por vezes, surge ainda a pressão de adaptação às mudanças do mercado e ao avanço tecnológico, que podem tornar algumas ocupações obsoletas. Em certos casos, há interesse em adquirir novas competências e em procurar autoconhecimento. Ou, se pensarmos no empreendedorismo, manifesta-se a vontade de ter mais controlo sobre a própria rotina e tomada de decisões. Seja como for, estas mudanças de carreira envolvem sonhos, paixões e necessidades práticas.

Pesquisas, como o levantamento realizado pela consultora de recrutamento Robert Half, indicam que 31% dos profissionais com ensino superior completo planeiam não só mudar de empresa, mas também de carreira. Segundo o Pearson Global Learners Survey (2020), um estudo conduzido em múltiplos países, registou-se um aumento expressivo na preocupação com o futuro das profissões e uma reavaliação profissional significativa a partir dos 40 anos, tendência que foi especialmente acentuada a partir da pandemia.

Vivemos atualmente num mundo em constante transformação, marcado por desafios geopolíticos e económicos. Conflitos armados distribuídos por todos os continentes, alterações climáticas e intensos movimentos migratórios, estão entre as principais questões que impactam o cenário profissional global.

Mas, se por um lado existe uma tendência para a transição profissional, temos de admitir que mudar de carreira depois dos 40 pode ser uma tarefa árdua. Para muitas empresas e ocupações, o fator idade pode ser decisivo e pessoas com 40, 50 anos ou mais podem ter dificuldade em reingressar no mercado de trabalho. É necessário ultrapassar o medo do desconhecido e adquirir novas competências. Segundo um inquérito realizado pela plataforma Catho, a falta de qualificação para atuar numa nova área profissional é citada como um dos principais entraves, juntamente com a insegurança financeira durante a transição.

É importante reconhecer estas dificuldades e preparar-se para elas, seja mediante formação, aconselhamento psicológico, melhor gestão das finanças pessoais ou apoio das redes de contacto. É aqui que podemos destacar o papel do apoio psicológico para ajudar as pessoas a lidar com as emoções associadas à mudança, a ganhar confiança e a definir objetivos claros. Existe uma série de técnicas que podem favorecer o reconhecimento dos valores centrais, para uma tomada de decisão mais consciente, assim como possibilitar a identificação e superação de comportamentos prejudiciais.

Na fase mais madura da vida acumulamos maior experiência. Quando se torna necessária alguma adaptação, é fundamental reconhecer a força e a sabedoria de quem já superou inúmeras adversidades ao longo da sua trajetória profissional. Há quem tenha passado por crises, momentos de rutura ou esgotamento, e conseguido recuperar-se. Consegue identificar os ganhos que alcançou e as lições que aprendeu ao enfrentar e superar as suas batalhas profissionais?

Confesso que nem sempre é fácil reconhecermos as nossas próprias fortalezas. Muitas vezes, a autocrítica é tão ácida que quase nos impede de ver as qualidades que possuímos. Vivi isto na pele: no Brasil, fui psicólogo clínico, realizei um mestrado e trabalhei como professor e investigador. No contexto da minha imigração para Portugal, defendi e concluí um doutoramento. Depois, desempenhei funções bastante diferentes, como servente de pedreiro (sim, é verdade) e, mais tarde, maquinista de gruas. Após uma breve passagem pelo setor imobiliário, trabalhei como comercial de telemarketing. Agora, estou a regressar à psicologia: concluí recentemente um novo mestrado e encontro-me atualmente a realizar o estágio profissional. Por vezes, ainda me assalta a dúvida: “será que sou capaz?”. Adaptar-me aos novos tempos exigiu resiliência e motivação, e continuo a avançar passo a passo neste processo de reintegração.

Para além do meu próprio exemplo, gostaria de apresentar mais três casos inspiradores. O primeiro é o da consultora em comunicação Cristina Nobre Soares, que, após anos dedicada a outra área, transformou a paixão pela escrita na sua profissão, tornando-se copywriter e storyteller freelancer aos 40 anos. Atualmente, além de desenvolver projetos pessoais, integra uma empresa de biografias e sente-se profundamente realizada por alinhar trabalho e vocação. O segundo caso tive oportunidade de conhecer pessoalmente há alguns anos: um advogado bem-sucedido que decidiu trocar os fatos e gravatas pela enxada, tornando-se agricultor. Deixou o stress da cidade grande, adquiriu uma quinta numa aldeia remota e passou a produzir e comercializar uma espécie de óleo vegetal. Ele e a esposa apostaram no novo negócio, aprenderam tudo desde o início e, após alguns anos, começaram a prosperar. Por fim, destaco o caso de um amigo que, após ter vivido uma fase de burnout enquanto líder na área da gestão de projetos de saúde pública, decidiu investir num antigo sonho e tornar-se chefe de cozinha. Economizou, planeou e acabou por abrir o seu próprio restaurante, com grande sucesso.

Se está a pensar mudar de carreira depois dos 40 (ou mesmo dos 50), saiba que este pode ser o passo mais importante e enriquecedor da sua vida profissional. Não se pode fugir à própria história, por mais que tente. No entanto, pode sempre escrever um novo capítulo que lhe traga ainda mais satisfação. Embora o caminho possa parecer incerto e desafiante, os benefícios em termos de realização pessoal, crescimento e qualidade de vida podem ser enormes.

Não receie reinventar-se. Procure apoio, invista em si e dê o primeiro passo com confiança. A mudança é uma oportunidade para se redescobrir e construir uma carreira que realmente faça sentido para si. Lembre-se: nunca é tarde para recomeçar.

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