Ciber-infidelidade: Quando a Tecnologia Reescreve as Regras do Amor 

Será que a tecnologia está a reescrever as regras da infidelidade?

Nos últimos anos, o avanço das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) trouxe novos desafios aos relacionamentos amorosos, e um dos temas mais complexos que emergiu é a ciber-infidelidade. Mas como definir a infidelidade no contexto atual, em que o envolvimento emocional e físico pode ocorrer tanto no mundo físico quanto no digital?

 O que é a infidelidade?

Uma definição clássica de infidelidade é oferecida por Blow e Harnett (2005), que a descrevem como um ato romântico ou sexual, físico ou emocional, que viola um compromisso de exclusividade entre duas pessoas. Quando esse ato é mediado pela tecnologia – seja por telemóveis, redes sociais ou plataformas de mensagens – passamos para o domínio da ciber-infidelidade. Ou seja, trata-se de uma quebra do acordo relacional através de interações online.

A questão torna-se ainda mais interessante quando examinamos o comportamento humano em torno da infidelidade ao longo da história. Por exemplo, o psiquiatra e psicanalista Gley Costa (2007) observou que, apesar de condenada moralmente, a infidelidade sempre foi romantizada em grandes histórias de amor, como a de D. Pedro e Inês de Castro, ícones da paixão trágica em Portugal.

A ligação entre o passado e o presente

Na Idade Média, o casamento era considerado uma aliança de conveniência social, onde o amor e a paixão não faziam parte do acordo. O amor cortês, por outro lado, surgia como uma resposta à repressão sexual, celebrando o desejo fora do casamento. Para Costa (2007), muitos dos dilemas atuais sobre a infidelidade refletem este conflito ancestral entre compromisso e desejo.

O que mudou, no entanto, é o modo como a infidelidade ocorre. Hoje, as TIC não só facilitam a comunicação entre as pessoas, mas também introduzem novos desafios, como o rastro digital. A ciber-infidelidade pode manifestar-se através de conversas íntimas, troca de fotos ou vídeos, e até relações virtuais de caráter sexual.

A ciber-infidelidade: como a tecnologia molda os comportamentos

Estudos científicos têm identificado vários comportamentos online que são frequentemente considerados ciber-infidelidade e que causam ciúme nos relacionamentos. Entre os comportamentos mais citados estão o envolvimento em conversas íntimas e flertar com outras pessoas nas redes sociais ou em plataformas de mensagens, o envio de fotos ou vídeos de caráter sexual, bem como a participação em sexo virtual (Martins, 2012). Além disso, a utilização de aplicações de encontros, como o Tinder, mesmo sem encontros presenciais, também é vista como uma forma de traição por muitos parceiros. Pesquisas indicam que a troca frequente de “gostos” ou comentários em publicações de outras pessoas nas redes sociais, especialmente quando essas interações parecem excessivamente atenciosas ou provocativas, pode gerar sentimentos de ciúme nos relacionamentos amorosos. Estes comportamentos, muitas vezes percebidos como violações de exclusividade emocional ou sexual, desafiam as normas tradicionais de fidelidade em relações monogâmicas (Haack, 2012; Cravens & Whiting, 2014). A presença de “rastos digitais” de tais interações pode amplificar o impacto emocional, pois os parceiros podem reviver a traição ao aceder repetidamente a essas provas digitais.

O fácil acesso a redes sociais, aplicações de encontros e smartphones tornou o contacto constante possível, permitindo que as relações extraconjugais ocorram de forma muito mais discreta e acessível. Como aponta Baptista (2015), a proliferação de provas digitais, como mensagens, fotos e vídeos, tem transformado a forma como a infidelidade é vivida. As pessoas traídas podem facilmente descobrir o “rastro digital” do outro, o que gera mais sofrimento e, em muitos casos, uma vigilância obsessiva da vida online do parceiro.

Um fenómeno comum é a troca de mensagens que começa de forma inocente e se transforma em conversas íntimas, onde desejos e fantasias são revelados, muitas vezes levando a encontros presenciais. Costa (2007) afirma que a infidelidade digital pode, muitas vezes, evoluir para encontros no mundo real ou mesmo para relações que contêm todos os elementos emocionais de um compromisso, embora sem o vínculo físico.

Os limites da fidelidade na era digital

A internet cria um relaxamento das normas sociais, facilitando a ciber-infidelidade. A natureza das interações online, muitas vezes menos “carregadas” emocionalmente do que os encontros presenciais, permite que as pessoas rompam relações digitais sem enfrentar o peso emocional associado a um término físico. Isso cria um ambiente propício para que a infidelidade ocorra com menos culpa.

Por outro lado, os comportamentos que constituem infidelidade podem ser variados e subjetivos. Martins (2012) identificou que, para muitos, flertar online pode não ser considerado infidelidade, enquanto sexo virtual é frequentemente interpretado como traição. Os comportamentos que configuram a ciber-infidelidade podem incluir a partilha de fotos íntimas, conversas provocativas ou mesmo o uso de plataformas de encontros como o AshleyMadison, específico para pessoas comprometidas que buscam relações extraconjugais.

O impacto da infidelidade no bem-estar

A infidelidade, seja online ou presencial, está profundamente ligada ao bem-estar ou sofrimento das pessoas envolvidas. Costa (2007) sugere que a ansiedade e o medo de ser descoberto, ou de ser abandonado, são sentimentos comuns que acompanham esses comportamentos. Além disso, o ciúme gerado pela quebra do pacto de fidelidade tem raízes profundas nas primeiras experiências emocionais das pessoas, muitas vezes ligadas ao complexo edipiano. Para Costa, quanto menos elaborado foi esse complexo na infância, mais o adulto tende a sentir-se inseguro e enciumado nos seus relacionamentos amorosos.

Apesar da crescente facilidade de cometer atos de infidelidade online, o impacto desse fenómeno varia de país para país. Em Portugal, por exemplo, onde a taxa de divórcios atingiu 50% em 2022, a coabitação sem oficialização tem vindo a aumentar, refletindo uma mudança nos valores sociais e no compromisso tradicional.

Considerações finais

A ciber-infidelidade é um tema complexo que reflete tanto os avanços tecnológicos quanto os dilemas humanos sobre o amor e o compromisso. À medida que as interações online se tornam mais frequentes e acessíveis, as linhas entre fidelidade e traição tornam-se cada vez mais nebulosas. No entanto, seja online ou no mundo físico, a infidelidade continua a ser uma fonte de profundo impacto emocional nas vidas das pessoas.

Este artigo foi adaptado da Dissertação O estabelecimento de relacionamentos amorosos online entre jovens adultos, que escrevi para o mestrado em Temas de Psicologia do Desenvolvimento, orientada pela Professora Doutora Maria Paula Barbas de Albuquerque Paixão e apresentada à Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, que pode ser lida nesta ligação: https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/84114/1/tese%20MariliaCastro.pdf 

2 Comentários

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