Amor Líquido: Uma Reflexão sobre os Relacionamentos Modernos
O amor é eterno ou apenas momentâneo? Essa é uma das grandes questões levantadas pelos sociólogos ao analisarem as transformações nos relacionamentos amorosos nas últimas décadas. Vivemos num mundo onde as relações estão cada vez mais fugazes, moldáveis e, muitas vezes, transitórias. O que aconteceu com o ideal de amor para toda a vida? O conceito de “amor romântico” perdeu relevância ou apenas evoluiu para algo diferente?
O sociólogo britânico Anthony Giddens foi um dos primeiros a diferenciar dois tipos de amor que ajudam a compreender essas mudanças: o amor romântico e o amor confluente. O primeiro, mais tradicional, é culturalmente associado às mulheres e baseia-se na ideia de encontrar um único parceiro com quem estabelecer uma ligação duradoura. Já o segundo conceito, o amor confluente, introduz uma abordagem mais contemporânea, onde a busca de realização sexual e emocional acontece de forma mais fluida e sem as amarras tradicionais do casamento, monogamia ou heterossexualidade. Aqui, a igualdade entre os sexos e a busca pelo prazer tornam-se fundamentais.
Anos depois, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman deu continuidade a essas reflexões com o conceito de amor líquido, um termo que reflete a incapacidade das relações modernas de manter uma forma sólida e estável. Bauman descreve a sociedade atual como uma “modernidade líquida”, onde estruturas culturais, institucionais e morais que antes ofereciam segurança, agora estão desfeitas ou em constante transformação. Segundo ele, vivemos numa era de incerteza, onde os valores sociais de longo prazo são substituídos por uma ênfase nos desejos e necessidades individuais imediatos.
Bauman faz uma crítica ao evitamento do compromisso nas relações modernas, um comportamento que ele compara ao consumismo. As relações amorosas tornaram-se transações momentâneas, muitas vezes atravessadas pela tecnologia, onde o vínculo é tão instável quanto uma compra descartável. Essa volatilidade faz com que o amor seja encarado como uma ligação temporária, com “pouco tempo de garantia”, sempre pronto para ser substituído por algo novo e excitante.
Em Portugal, a taxa de divórcios, embora elevada, tem vindo a diminuir nos últimos anos. Em 2022, essa taxa foi de 50% dos casamentos, ou seja, metade dos casamentos terminou em divórcio, uma queda em relação aos anos anteriores, quando chegou a ser de 70% ou mais. Em comparação, Portugal continua a ser um dos países com maior número de divórcios na Europa, mas está atrás do Luxemburgo, que tem a maior taxa. Além disso, o número de casamentos em Portugal também caiu, com 36.952 casamentos registados em 2022 (Observador) (ZAP Notícias).
O conceito de amor líquido também pode ser observado na forma como as cerimónias de casamento se transformaram. O que outrora era um sacramento espiritual e simbólico tornou-se hoje um espetáculo, muitas vezes marcado por uma ostentação de serviços e produtos que visam atender aos padrões de uma sociedade consumista. Este investimento, muitas vezes feito à custa de endividamento, parece alimentar a necessidade de exibir o “casamento dos sonhos” nas redes sociais, seguindo as tendências do capitalismo moderno.
Mas o que isso diz sobre o compromisso no casamento? Para Bauman, os compromissos duradouros são frequentemente vistos como opressivos, uma perda de liberdade pessoal, o que gera ansiedade e insegurança. Ter filhos, por exemplo, representa um compromisso indefinido de fidelidade e responsabilidade, algo que pode gerar medo nas relações líquidas de hoje.
No entanto, apesar desta visão crítica, outros autores oferecem perspetivas diferentes. Papalia e Feldman sugerem que o casamento, quando baseado num bom relacionamento, pode ser um forte promotor de saúde e bem-estar, tanto físico quanto psicológico. Em contraste, casamentos infelizes podem prejudicar a saúde, mesmo quando há apoio social. O impacto da qualidade da relação conjugal é, portanto, uma variável significativa a considerar.
No panorama contemporâneo, a internet tornou-se uma arena importante para os relacionamentos, algo que Bauman também criticava. Para ele, as interações virtuais, por serem rápidas e numerosas, carecem da profundidade necessária para formar vínculos duradouros e significativos. Ele via a tecnologia como um facilitador de relacionamentos superficiais, onde as conexões são breves e impessoais. Contudo, há autores que discordam desta visão. Wellman argumenta que a internet pode, de facto, potenciar o capital social , facilitando o contacto entre amigos e familiares, tanto próximos quanto distantes, e promovendo ações solidárias em comunidades virtuais.
Olhando para estes debates, uma questão central permanece: será que o amor líquido oferece alguma forma de realização emocional ou está a deixar-nos mais solitários? Embora a fragilidade dos vínculos na modernidade líquida seja evidente, há também estudos que indicam que as pessoas casadas tendem a ser mais felizes do que as solteiras, desde que haja uma boa qualidade na relação conjugal. Isso sugere que, apesar das mudanças, o desejo por um relacionamento estável e significativo ainda permanece relevante para muitos.
Assim, podemos concluir que as relações modernas são profundamente influenciadas pela fluidez dos tempos em que vivemos. As estruturas tradicionais de amor e casamento podem ter-se desfeito, mas isso não significa que o desejo humano por conexão e intimidade tenha desaparecido. Em última análise, talvez o desafio esteja em aprender a equilibrar o desejo de liberdade com a necessidade de comprometimento, de modo a encontrar formas mais autênticas de amar na era líquida. Este texto foi adaptado da minha Dissertação do Mestrado em Temas de Psicologia do Desenvolvimento, orientada pela Professora Doutora Maria Paula Barbas de Albuquerque Paixão e apresentada à Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. A dissertação completa pode ser lida nesta ligação: https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/84114/1/tese%20MariliaCastro.pdf